Regulamento da Truck é uma “babel” que deu certo

mb28_truck_largada_foto3_osA leitura de um regulamento técnico não é tão comum assim como se poderia imaginar, ficando restrita às pessoas diretamente envolvidas na preparação dos carros de competição (e a história já mostrou que, mesmo nesse seleto grupo, nem todos fazem a “lição de casa”). Tem aquele jeitão de bula de remédio e o entendimento, para leigos, quase sempre é difícil. Há, porém, no nosso automobilismo, algumas dessas peças que merecem atenção. Uma delas, em particular, tem aspectos de superação. Pode-se dizer, sem medo de errar, que o regulamento técnico da Fórmula Truck é uma obra que serve de modelo.

Aurélio Batista Félix, o criador da Fórmula Truck (Fotos Orlei Silva/Fórmula Truck)
Aurélio Batista Félix, o criador da Fórmula Truck (Fotos Orlei Silva/Fórmula Truck)

Quem poderia imaginar ser, um dia, possível colocar na mesma pista, em condições equilibradas de competitividade, caminhões de tantas marcas, pesos e potências diferentes, todos competindo em uma mesma categoria? Aurélio Batista Félix achava que isso era possível e, para tanto, criou um regulamento técnico que é uma peça de rara competência e visão estratégica, pois não partiu do pressuposto da exclusão. Pelo contrário, criou alternativas técnicas que pudessem permitir a coexistência de estruturas tão díspares.

É por isso que se engalfinham por pistas brasileiras – e agora da Argentina – marcas como Volkswagen, Mercedes-Benz, Scania, Iveco, Volvo, Ford e Man, pela ordem da classificação no campeonato entre montadores, após a sexta etapa do Campeonato Brasileiro de Fórmula Truck.

Discussão ampla

São famosas as reuniões pós-temporada, normalmente em Brasília, nos dias subseqüentes à etapa de final do campeonato, que desde 2004 acontece no Autódromo Internacional Nelson Piquet. São dias e dias de discussões sobre eventuais mudanças para o próximo ano. “Tudo é discutido, tudo é ponderado. O piloto e sua respectiva marca apresentam soluções que possam melhorar o desempenho de seu caminhão. Tudo é discutido exaustivamente até se chegar à conclusão sobre até que ponto pode afetar as demais marcas envolvidas”, explica o piloto e comentarista Eduardo Homem de Mello, destacando que as mudanças são acatadas, desde que não coloque em risco o equilíbrio da categoria.

A complicada equação em busca da paridade estabelece, primordialmente, uma relação peso/potência para cada conjunto. O regulamento estabelece um mínimo de 8.200 cm³ e máximo de 13.800 cm³. Segundo Felipe Giaffone, vice-líder do campeonato, a potência dos “pequenos” (Ford e VW) vai até 850cv. Já os “grandes” batem nos 1.300cv. O campeão de 2007, pela Volkswagen, aponta os pneus como um ponto de equilíbrio. “Acho que como todos andam com um pneu original de rua, acaba equilibrando por baixo os pesos do caminhão”.

O piloto Vinícius Ramires, que corre com Mercedes-Benz, destaca que, “com certeza, o peso/potência iguala bastante os equipamentos, mas acredito que é um misto de durabilidade/potência/freios que faz o composto total”. Apontou também para as características das pistas influenciam o favoritismo momentâneo de um ou outro equipamento. “Cada tipo de caminhão também é favorecido, dependendo da pista onde corremos. São Paulo, por exemplo, é para caminhão grande. Londrina já favorece o pequeno”. É correto estimar, na sua avaliação, que a potência dos caminhões “grandes” esteja entre 1.000cv e 1.200cv. “Os nove litros têm de 700cv a 900cv”.

Corroborando a questão levantada por Vinícius Ramires, Homem de Mello explicou que “nas pistas com contorno de curvas mais lento, como Campo Grande, Caruaru, Londrina, Fortaleza, os pequenos levam uma ligeira vantagem, enquanto nas que possuem grandes retas fica muito difícil segurar os ‘canhões’ que impulsionam os grandes, como Curitiba, Interlagos – e a Subida da Junção-, Tarumã etc”. Acrescentou, porém, que essa combinação vez ou outra pode falhar, “mas normalmente a lógica é essa”.

Alta potência

O campeão Beto Monteiro, de 2004, vai mais além. Para o atual piloto da Iveco, existiria uma tabela, no presente campeonato, assim constituída em valores aproximados: Mercedes-Benz (Wellington Cirino e Geraldo Piquet), 1.300cv; Scania (Roberval Andrade), 1.270cv; Volvo (Danilo Dirani); 1.210cv; Iveco (Beto Monteiro). 1.090cv; VW (RM Competições), 1.000cv; Ford (Djalma Fogaça), 950cv.

Por tudo isso há a questão do peso, estabelecida a partir de marcações mínimas e com proibição de lastros. Assim, o peso mínimo de 3.900 kg é para os modelos Ford Cargo. O Volkswagen tem peso mínimo de 4.100 kg. Por fim, o índice é de 4.500 kg para Iveco, Scania, Mercedes-Benz, Volvo e Man.

Mas essa diferenciação no peso mínimo está longe de ser a única ferramenta de equalização. Também fazem parte do processo itens como suspensão, entre eixos, coletor de descarga, câmbio, diferencial, tanque de combustível e tantos outros. Quem quiser saber mais, vale muito conhecer o regulamento no site da categoria (www.formulatruck.com.br).

Um trabalho dessa envergadura precisa ser conhecido. Não porque seja perfeito, visto que há constantes aprimoramentos ao final de cada temporada, em razão do sempre presente avanço de tecnologia. Mas principalmente por ser uma solução técnica encontrada por uma pessoa que, além de conhecer muito do “universo” dos caminhões, amava incondicionalmente a Fórmula Truck.

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