Por Americo Teixeira Jr. – Uma coisa eu aprendi nesses anos: de nada adianta você estar num lugar se não se permite envolver pela atmosfera mágica que lhe é característica. Na minha cabeça é a mesma coisa de entrar num restaurante em Paris e torcer o nariz porque não encontrou arroz com feijão no cardápio. Isso serve para qualquer um. Você pode se divertir como nunca numa prova de fusquinha, seja jornalista ou torcedor, se souber entender aquela atmosfera e deixar de lado determinados padrões. Esqueça a Fórmula 1 e seus padrões (ou frescuras) para curtir intensamente a prova de fusquinhas. E também para comer a comida francesa.
Le Mans é um desses lugares mágicos. Se você chegar em Le Mans com a cabeça de quem vê corrida sprint, esquece. Vá dormir porque uma corrida de 24 horas não é mole, não. Há de se ter humildade para perceber que o mundo gira diferente em Le Mans, que nem sempre os padrões que a gente estabeleceu como corretos funcionam por lá. É preciso chegar em Le Mans com a mente e o coração abertos, lívidos para receber o Espírito de Le Mans. Permitir-se viver essa experiência única. Entender que há muito mais do que simplesmente o pole e o vencedor é a diferença entre se frustrar ou viver uma experiência que vai lhe acarinhar pelo resto da vida. A verdade é que nem todo são merecedores.
Uma das coisas mais aterradoras que ouvi na minha carreira foi o comentário de uma jornalista brasileira, que em plena chegada de uma 24 Horas de Le Mans, saiu-se com uma pérola da pequenez: “Por que esses caras estão festejando se não ganharam ?”. Fato é que não me lembro da pessoa e muito menos do veículo de comunicação. Também não os revelaria se tivesse lembrança desses detalhes. Primeiro, porque não é relevante para que quero contar. Segundo, porque não cometo com colegas a mesma deselegância que colegas já cometeram comigo quando das notícias inéditas publicadas neste Diário Motorsport. Das publicações às confirmações, ouvi calado um monte de besteiras. Mas é do jogo. Quem não está disposto a levar canelada não deve se meter a jogar futebol, não é mesmo?
Mas se a colega não entendeu nada, outros se fartaram do Espírito de Le Mans. Nessa mesma ocasião, fui procurado na sala de imprensa por uma assessora de imprensa. Super jovem, era a namorada de um dos pilotos franceses que pilotavam um protótipo. Eram quatro amigos que se dedicavam ao automobilismo local e que, num rompante de ousadia, resolveram montar um time e correr em Le Mans. Não faz tanto tempo assim, mas naquele início dos anos 2000 ainda havia lugar para desafios como esse. Estrutura pequena, quase artesanal, mas empurrada por uma dose tão cavalar e contagiante de entusiasmo que é como se houvesse um brilho adicional, emanado daquela garagem acanhada num canto dos boxes, a potencializar um cenário que somente a noite em Le Mans é capaz de produzir.
Foram várias as quebras, mas os caras da equipe se transformaram em gigantes – talvez já os fossem – ao recolocar o carro na pista. Na tarde de domingo, aos trancos e barrancos, aquele protótipo amarelo e repleto de adesivos de pequenas empresas locais recebeu a bandeirada de chegada. Sim, chegou lá longe, “ano-luz” dos vencedores da Audi. Mas o Espírito de Le Mans é generoso com os valentes, com aqueles que não desistem, com os teimosos que enfrentam de peito aberto aquelas 24 horas como se fossem as últimas de suas vidas.
Sim, porque esse Espírito invade a alma e brota do fundo do coração uma alegria contagiante pelo simples fato de completar a prova. Sim, porque completar uma prova de 24 horas não é um cumprimento de tabela, mas um reafirmar da genialidade de Fernando Pessoa, pois “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. E choraram, choraram muito. Na outra ponta havia uma festa gigantesca, mas o rosto jovem e molhado da namorada-assessora, com um sorriso de orelha a orelha, entre lágrimas, deixou para mim uma certeza irrefutável, a de que, às vezes, a felicidade existe. Naquele tarde de junho de 2000, em Le Mans, a feicidade existiu. E apesar de não encontrar mais detalhes sobre esse time nos meus arquivos, reside privilegiado no meu coração.
Caro Américo Teixeira Jr.,
Seu texto retrata com perfeição quem realmente gosta de automobilismo, e quem gosta de vencedores, somente. Aliás, é o que ocorre na maioria dos esportes: pessoas gostam de ganhar, e não do esporte em questão. Pra mim parece tão óbvio que já é uma maiúscula vitória conseguir terminar a maior prova de Endurance no planeta, por que pra maioria das pessoas isso é tão difícil?
Parabéns, grande texto.
Abraço,
Bernardo.
Ótimo texto @Americo. Deve ser algo de fato emocionante. Vivenciar Le Mans deve ser uma coisa fantástica, assim como vivenciar Mônaco, Indianápolis, Interlagos(para os brasileiros)…
E sim, infelizmente a sua colega não era (pelo menos naquele ano) merecedora do Espírito Le Mans… eu diria até que ela sequer era merecedora de ESTAR em Le Mans…
Mesmo que seus arquivos não tenham mais detalhes daquele time, o que importa é que sua alma sabe bem o que você vivenciou. =)
Perfeito seu texto amigo.
É a velha estória da boiada.
Como as viúvas de Senna que afirmam que a F1 ACABOU depois que Senna foi pra outro plano.
Sabem de nada inocentes.
Quem me dera um dia na vida eu possa estar um final de semana em Le Mans.
Abraço de Um fã da Serra fluminense.