César Maia e Carlos Arthur Nuzman, os grandes vilões no processo de destruição de Jacarepaguá

Foto Miguel Costa Jr.

Por Americo Teixeira Jr. (Matéria publicada originalmente na edição de nº 29 da revista Warm Up) – Qualquer relação de responsáveis pelo desaparecimento do Autódromo Internacional Nelson Piquet não terá validade histórica se não for encabeçada por esses dois políticos, o ex-prefeito César Maia e o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman. Outros menos graduados devem ser elencados por incompetência, omissão ou conivência e, certamente, reúnem-se às centenas. Mas os mencionados merecem a distinção negativa por liderarem a chamada “operação olímpica” em detrimento do automobilismo e pela perda da oportunidade ímpar de edificar as tais instalações em locais carentes de estruturas, que viriam a reboque. Ao invés de usarem a bandeira olímpica como instrumento de inclusão social, eles optaram pela destruição e concentração de esforços em uma das áreas mais valorizadas da América Latina.

Resultado disso tudo é que as últimas semanas têm sido marcadas por diversos protestos contra a destruição do autódromo de Jacarepaguá. Por certo, todos importantes e merecedores de apoio. Mas, nestes dias de 2012, eles não servem para nada, rigorosamente nada, posto que deslocados no tempo, atrasados em pelo menos dez anos. O que se vê, atualmente, nada mais é do que o epílogo de um processo de desmonte iniciado em 2002.

Por incompetência e/ou omissão nossa ou desequilíbrio colossal de forças, não fomos capazes de evitar a derrubada de um símbolo do esporte brasileiro. E, por “nós”, considere pilotos, chefes de equipes, técnicos, dirigentes, imprensa especializada, fabricantes e prestadores de serviços do setor, administradores de pistas públicas e privadas, promotores de eventos (esportivos ou não) sediados em autódromos e kartódromos, patrocinadores e a quem mais interessar possa.

Quem está “chegando agora”, identificando as derradeiras competições como o epicentro desta enorme derrota do automobilismo do Rio de Janeiro, direciona ira e apoio em direção aos culpados e salvadores do momento. Mas alguns deles, em que pese igualmente partícipes, são meros herdeiros de uma empreitada iniciada bem antes. Entre os que lutaram por riscá-lo do mapa e os que tentaram impedir de todas as formas que isso acontecesse, disputou-se uma espécie de “cabo de guerra” pelo circuito que recebeu a Fórmula 1 em 1978 pela primeira vez e, depois, consecutivamente de1980 a1989. Isso sem falar as competições de Indy e MotoGP.

Digamos que Jacarepaguá foi um autódromo que recebeu o “golpe mortal” em 2002, somente tendo “sobrevivido” até aqui, embora “sangrando”, porque houve esforços para pelo menos adiar sua “morte”. “Oh, quanta tradição em Jacarepaguá. Isso não pode acontecer!”, destacaram muitos indignados àquele desmonte que parecia “impossível” de acontecer e que hoje é a mais dura realidade. Entretanto, como alguns se aperceberam muito cedo e outros ainda não “caíram na real”, história e tradição tiveram significação ZERO, relegadas à última instância por força “rolo compressor olímpico” que se abateu sobre o Rio de Janeiro.

Carlos Reutemann e seu Williams FW07C na vitória no Grande Prêmio do Brasil de 1981 (Foto LAT/WilliamsF1, Rio de Janeiro, 29.03.1981)

Bipolaridade administrativa

A verdade é que as coisas começaram a se decompor em Jacarepaguá ainda no final dos anos 80, quando as autoridades municipais do Rio de Janeiro, sob o mandato do prefeito Marcello Alencar, não foram capazes de manter o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 em terras cariocas. Enquanto isso, um acordo entre a prefeita petista de São Paulo, a atual deputada federal Luiza Erundina; o então presidente da Confederação Brasileira de Automobilismo, Piero Gancia, e a multinacional Shell permitiu o retorno para São Paulo, a partir de 1990, da prova já sob a promoção de Tamas Rohonyi. Perdia, assim, o Rio de Janeiro, os motivos econômicos que faziam a municipalidade enxergar a pista de Jacarepaguá como algo necessário.

Mas nem tudo estava perdido, pois César Maia, em seu primeiro mandato como prefeito da Cidade Maravilhosa (1993 a1997), mostrou-se disposto a manter o desafiador circuito nos calendários Internacionais. Logo ele, personagem principal no processo que viria a seguir e exemplo típico de “bipolaridade” administrativa, trabalhou de forma eficiente e vitoriosa para trazer à sua cidade a Fórmula Indy (1996 a2000) e a MotoGP (1995 a2004). Fez mais: ajudou a eleger seu sucessor, o secretário Luiz Paulo Conde, que terceirizou a administração do autódromo, concedendo licença para um consórcio liderado por Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Paulo Júdice. Poucas vezes, no automobilismo brasileiro, as expectativas se mostravam tão positivas.

Perdemos a Fórmula 1 para São Paulo? Grande coisa! Temos Indy e o Mundial de MotoGP em Jacarepaguá!”, falavam em alto e bom som alguns personagens daquele curto período de aparente prosperidade no automobilismo do Rio de Janeiro. Mas uma reviravolta política local e “ventos olímpicos” se abateram sobre a zona sul da capital do Estado do Rio de Janeiro e o esporte a motor, o todo valorizado de então, virou “pó”. Beneficiado pela mudança constitucional que introduziu a reeleição, obra da base aliada do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Conde buscou um segundo mandato nas eleições de 2000 e isso representou uma ruptura entre os dois ex-aliados políticos, visto que César Maia também pleiteava o cargo. No confronto direto, Maia venceu. “Sem problemas, pois saiu um ‘amigo’ do automobilismo e entre outro ‘amigo’ do esporte”. Doce ilusão!

Nuzman já estava em pleno desenvolvimento de seu projeto de trazer para o Rio de Janeiro os Jogos Panamericanos de 2007, empreitada em parceria com o César Maia, a quem coube, em abril de 2002, três ações concretas. Lançou a candidatura da cidade junto a Organização Desportiva Pan-americana, nomeou Nuzman e seu secretário Ruy Cezar como presidentes da Comissão de Candidatura e incluiu no projeto o autódromo como espaço público para a construção de instalações olímpicas. Ainda no primeiro ano de seu segundo mandato, Maia tirou todo apoio da prefeitura à prova da Indy no Rio de Janeiro, promovida por Emerson Fittipaldi. Vale dizer que o bicampeão mundial de Fórmula 1 foi uma das personalidades a apoiar publicamente a derrotada campanha de reeleição de Conde. A corrida já não foi realizada em 2001 e a administração César Maia cancelou o contrato de terceirização. Ficou até a impressão que se tratava de uma vingança política, mas a verdade é que Maia está olhando vem à frente e o motivo de tudo isso era algo de maior vulto. O prefeito pode até ter “juntado a fome com a vontade de comer”, mas já tinha sido “picado pela mosca olímpica” e sabia, assim como Cezar e Nuzman, que um autódromo ativo, incluído nos calendários internacionais e recebendo competições de alto nível seria mais difícil de desativar. Logo, tratou da execução de um processo de esvaziamento.

Em prol de seus objetivos olímpicos, a omissão de Carlos Artur Nuzman a respeito do autódromo foi tão descarada que ele demorou dois meses para atender em audiência o presidente da CBA da época, Paulo Scaglione, e ao fazê-lo “lavou as mãos”, com um conveniente “não tenho nada com isso”. Era de se supor que a maior autoridade desportiva brasileira tivesse uma postura plural, mesmo para um esporte não considerado olímpico. Em lugar disso, preferiu compactuar e se dizendo acreditar nas linhas dos editais, que rezavam a manutenção das atividades no autódromo.

Até aquele momento, a conversa se desenrolava na base do projeto, até que em dezembro de 2002 aSecretaria Municipal de Esporte e Lazer editou a resolução 193, cujo teor indicava que “no Complexo Esportivo do Autódromo serão construídas três instalações para os jogos… e a licitação por concorrência internacional prevê o sistema de concessão de direito real de uso do autódromo por 50 anos, prorrogáveis por mais 50”.

A Administração Municipal tinha como objetivo real, apesar do discurso em contrário, fechar o autódromo em definitivo ainda em 2003. Tanto é que outra resolução da Secretaria, esta sob o número 198 e datada de janeiro daquele ano, simplesmente fechou as portas de Jacarepaguá. À reboque da decisão, a Câmara Municipal aprovou um novo plano diretor para a região da Barra, o projeto de utilização do autódromo e o imediato início de obras, visto a vitória do Consórcio Rio Sport Plaza para a execução das edificações.

Por mais inadequada que fosse a escolha do local, o prefeito Cesar Maia tinha como argumento que a cidade ganharia com a realização dos Jogos, as obras seriam financiadas pela iniciativa priva e que as atividades do espore a motor seriam mantidas. So que esse discurso não foi corroborado com a desistência do consórcio por fala de recursos. Era a chance que o prefeito tinha de capitular e passar as obras para ouro lugar. Mas as acusações de que o grande interesse era o imobiliário ganharam eco quando o prefeito, a despeito das evidências contrárias, manteve as obras no interior de Jacarepaguá.

O ocaso só não se fez naquele momento porque a Confederação Brasileira de Auomobi8lismko, na pessoa do presidente Paulo Scaglione, acionou a Justiça e, além de liminares que impediram a continuidade das obras, liderou um movimento que incluiu personalidades do esporte e obteve na Sexta Vara da Fazenda Pública do Estado do Rio de Janeiro, sob a tutela da Dra. Juíza Jaqueline Montenegro, um acordo judicial de amplitude. Ele rezava que somente poderia ser fechado Jacarepaguá quando um novo autódromo estivesse pronto. Essa disputa foi potencializada com a reeleição de Cesar Maia para seu terceiro mandato (2005 a 2009), mas as corridas voltaram a Jacarepaguá, a despeito dos planos da prefeitura, além meados de 2012. Sem as ações da Confederação, à época, a automobilismo brasileiro estaria sem corridas no Rio desde 2003, logo, foram medidas que permitiram uma sobrevida de nove anos, mesmo com interrupções no período.

Eis que tudo mudou. Desde 1° de janeiro de 2009 o prefeito da cidade do Rio de Janeiro é Eduardo Paes. Três meses depois, Cleyton Pinteiro assumiu a CBA. Estabelecia-se ai, um confronto mais do que desigual. Se o Maia X Scaglione era na base da ação e reação o tempo todo, Paes manteve a pleno vapor o projeto olímpico, enquanto Pinteiro desacelerou as ações da CBA no que tange a defesa do acordo judicial, voltando à carga quando já era tarde demais.  Esse, na prática, não existe mais, pois as partes concordaram recentemente que o fechamento poderia ocorrer sem o novo autódromo estar pronto, tudo em nome da imagem do Brasil ante os compromissos com a Rio 2016.

Resumo da ópera: Jacarepaguá está indo abaixo, não há um novo autódromo, apesar da falácia de “Deodoro” e o Rio de Janeiro está irremediavelmente fora do calendário do automobilismo. Reconheça-se, pelo menos, a vitória de César Maia e Carlos Arthur Nuzman, que desde o início enxergaram Jacarepaguá com um lugar para qualquer outra coisa, menos automobilismo, e assim o fizeram. Ponto para eles; azar da comunidade automobilística, incapaz de sobrepor-se a ano poder.

PS: Ao contrário deste colunista, o presidente da CBA, Cleyton Pinteiro, está convicto que o autódromo de Deodoro será uma realidade em pouco tempo.

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