sexta-feira, março 29, 2024

Marcos Galassi: “Quero formar um piloto profissional ensinando que existiu um passado que não era o Ayrton Senna” – Parte 2/5

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Na segunda parte da entrevista com Marcos Galassi, ele revela como trouxe para a Fórmula Inter algumas experiências da sua própria vida profissional, inclusive como piloto, e como confiou aos cabelos brancos de um veterano construtor o projeto da sua vida

Por Américo Teixeira Junior

José Minelli e Marcos Galassi: mãos e mentes que transformaram em realidade algo que não passava de um sonho há cerca de cinco anos (Fotos acima, ao alto e capa by Rodrigo Ruiz/RRMedia)

Sob o ponto de vista operacional e seguindo a lógica da esmagadora maioria das categorias de monopostos do Brasil, o caminho previsível para a criação da Fórmula Inter seria a importação dos chassis de competição. Alegadamente por questões orçamentárias, essa ideia foi sepultada. Entretanto, quando de conhece um pouco mais o pensar de Marcos Galassi, é possível intuir, até, que essa foi uma feliz desculpa para sair do lugar comum. É fácil identificar nele um prazer quase juvenil em subverter a ordem das coisas e uma rebeldia quase adolescente em não se submeter àquilo que foi ditado por alguém ou por alguma estrutura.

Foi por isso que abriu mão do comodismo proporcionado pelo “adquirir tudo pronto” por um processo que durou quatro anos, período no qual prospectou e ajudou a formar inteligências, sob o rígido prisma do “melhor produto possível”, tudo com o objetivo de construir algo duradouro e para preencher o “vazio” que identificou no automobilismo, um dos temas abordados nessa segunda parte, de cinco, na entrevista inaugural da série “Entrevistas Especiais”, com Marcos Galassi.

FUGINDO DO LUGAR COMUM COMO O DIABO DA CRUZ

Uma ideia na cabeça, mão na massa e o projeto de formar pilotos profissionais já é realidade (Foto Rodrigo Ruiz/RRMedia)

Diário Motorsport – Como caminharam as coisas para ocupar esse vazio?

Marcos Galassi – A ideia foi entrar no nicho que não estava ocupado, mas tinha de ser com um excelente produto. Dentro disso, a primeira ideia foi importar um carro. Mas isso se mostrou impossível por causa das taxas, dos impostos, toda a dificuldade, inviável economicamente. A reposição de peças e a operacionalização disso tudo acaba por matar o paciente, esse é a verdade. Ou seja, o preço final seria muito alto para o consumidor final e acabaria se tornando um competidor com a própria Fórmula 3. Não haveria sentido em promover uma concorrência desse tipo. Eu disse: “Não quero competir com ninguém, acho que nessa faixa a gente pode construir algo com gosto de Brasil”. O que se colocou em seguida foi: “Vamos construir um carro!”. E por dois anos fomos construir esse carro.

DM – Como foi isso?

Marcos Galassi – Criação do carro, desenvolvimento de chassi, usar toda a experiência de um José Minelli que está aí desde 1970 fazendo carro, somado aos meninos estudantes da FEI, que eu contratei para participar do projeto e colocar novas ideias e alguns cuidados que a gente teve em produzir o carro. Eu tinha acabado de ficar um ano nos Estados Unidos, praticamente. Vi os carros da USF2000, da Pro Mazda, os da Indy Lights daquele momento e pensei: “Por que nós não podemos ter isso? O que nos Impede de ter boa qualidade? ”. Eu vi a maneira como eles operavam. Norte-americano, diferentemente do brasileiro, explicita o preço. Quanto custa? Se é US$ 10 mil, é exatamente isso que você vai pagar. Não vai pagar um dólar a mais ou um dólar a menos.

O brasileiro, não. Quando você pergunta o preço, ele primeiro quer saber com que carro você estacionou na porta dele. E depois ele vai te dar um preço baseado na sua argumentação, na maneira como você fala, como você se impõe, etc.

DM – Mas isso denotaria, a seu ver, alguma desonestidade?

Marcos Galassi – Não, não necessariamente. É cultural. É um traço assimilado culturalmente pela sociedade brasileira. Mas eu gosto de ser tratado como o consumidor norte-americano e por isso projetei para esse carro o que eu gostaria de ter para mim como consumidor, ou seja, um excelente produto, a altura do meu desejo de pilotar um carro de corrida, a altura da segurança que eu quero que esse carro tenha, a altura da performance que eu julgo ser capaz de dominar, com toda uma estrutura de base que me permita oferecer, de fato, um produto para o mercado por um preço tabelado. “O que, tabelado?”. “Sim!”.

DM – Aí entra o conceito do preço sem alteração praticado nos Estados Unidos…

Marcos Galassi – Sim, porque no preço tabelado está incluída toda a operação, dada a solução para o problema. Então, você quer correr de fórmula? Ok, você vai me pagar R$ 13.990, você vai pegar o seu capacete, o seu equipamento de segurança e vai se dirigir feliz e confortavelmente para o autódromo. Vai chegar lá e encontrar uma estrutura de boxe digna e capaz de te receber, uma estrutura de Hospitality Center que você pode levar convidados, você vai ter mídia e um suporte de marketing até para você conquistar um patrocinador. E foi aí que caiu a ficha. “Eu já fiz na minha vida, cazzo! ”.

DM – Foi piloto ou promotor?

Marcos Galassi – Quando eu tinha uns 30 anos de idade, eu me enchi o saco do que eu fazia – eu vendia comunicação na época – e disse: “Vou ser piloto”.

DM – Vendia comunicação, como assim?

Marcos Galassi – Sim, eu tenho produtora de vídeo e diversos negócios ligados a comunicação. Eu me enchi o saco. “Não quero mais mexer com essa merda, eu vou deixar na mão de todo mundo, vou sair e vou correr de carro!”. Mas eu queria correr de carro profissionalmente, queria fazer uma coisa bacana. Tinha a Copa Uno e resolvi correr na categoria. Mas o pessoal dizia: “Mas, Marcos, você não vai ter patrocínio nunca!”. Mas eu teimava que teria. “Terei sim, tenho bons argumentos, eu sei que um carro de corrida é muito, muito mais do que simplesmente um carro de corrida e eu sei disso porque eu trabalho com comunicação”. Aí eu fui para a minha virei para minha mulher e disse: “Eu vou parar de trabalhar e agora vou ser piloto profissional”. Ela ficou espantada, claro, mas me apoiou. Eu acabei comprando um Uno de um carioca que tinha desistido do primeiro ano do campeonato, contratei a equipe do cara que tinha sido vice-campeão no campeonato anterior, participei dessa equipe, paguei esse cara por mês. Antes, perguntei o preço e disse que não queria variável. “O preço é esse? Então, encima do seu preço eu vou fazer a minha receita. Certo?”. Fui pra casa, fazia 60 ligações por dia, um dia atenderam o telefone, era a Equitel, que topou pagar o meu patrocínio.E eu virei piloto profissional.

DM – Que ano foi isso?

Marcos Galassi – 1994.

DM – OK, mas você tinha experiência como piloto?

Marcos Galassi – Ah, eu tinha feito umas 12 provas de Speed, tinha feito uma endurance de Speed, foi bacana, mas a minha experiência como piloto profissional, comparada com Artur Bragantini, Fábio Sotto Mayor, Paulo Gomes e todos os outros da Stock Car e da própria Copa Uno que tinha na época, era zero. Se me perguntassem: “Qual é o seu currículo?” A resposta era: “Meu currículo é zero”. Mas qual era o meu argumento? Era simples: “Eu tenho esse carro bonito e maravilhoso – veja como ele é bem pintado!. Eu tenho essas áreas aqui que eu posso vender, eu tenha a televisão, a Bandeirantes na época, que me dava um visibilidade bacana, como dava para todo mundo. Mas havia uns 50 carros no grid e eu não poderia garantir minutos de exposição para o patrocinador. O que eu fiz? Eu vendi o lado corporativo. Eu vendi o business de motivar o funcionário dele. O business de incentivar o cara que era aplicador do produto dele a estar mais próximo da empresa. Vendi o business de levar o carro para a convenção e fazer daquele carro o símbolo da unidade da equipe. E eles compraram e funcionou. Até que um dia eu me enchi o saco, pois eu trabalhava mais para a empresa, para os instaladores, promotores do que correr de carro. Era muito boring aquilo, pois era um trabalho de comunicação também. Mas provei para mim que aquela lógica do “small capital” era possível de ser sustentada. Sei lá, eu gastava 10 e ganhava 15. Ou seja, era remunerado para ser piloto, eu tinha responsabilidade de piloto. Essa lógica eu trouxe para a Fórmula Inter.

Foi para correr com esse carro que adotou um conceito que deu certo, mesmo sem experiência como piloto profissional (Foto do Arquivo Pessoal de Marcos Galassi)

DM – Mas a quem se destina o produto Fórmula Inter?

Marcos Galassi – É para quem deseja pilotar um carro de excelente qualidade, de fórmula, por um preço tabelado, seja por entretenimento e lazer, seja para realizar o sonho de se tornar piloto profissional. Então, eu tenho exemplos verdadeiros na categoria do mesmo esforço que eu fiz e estão aí hoje se profissionalizando, até porque a gente acabou de nascer. E eu subverti algumas ideias da coisa, até porque comunicação precisa de subversão.

DM – Da origem do projeto até aqui, o que você teve de mudar por força da realidade e o que não mudou de jeito nenhum, por mais que eventualmente se fizesse necessário?

Marcos Galassi – Eu tive de abrir mão, obviamente, da tecnologia pura, do monocoque de fibra de carbono porque nós não somos, como brasileiros, competentes para produzir um material desses, nessa escala por um preço que seja acessível. Eu tive de abrir mão disso. Foi logo de cara, deu para perceber na hora que isso seria impossível. Mas eu me voltei para os meus motivadores: a Indy, o mercado americano, o automobilismo profissional americano bem feito organizado. Mas um dia bateu um sino, eu estava aqui pesquisando: “Caralho! A melhor categoria brasileira de fórmula se chamava Fórmula Super Vê era a Fórmula 1 brasileira”. Na hora bateu: “Cadê os caras? Ah, os caras morreram. Não, não morreram todos, têm alguns aí ainda!” Aí eu pensei assim:

“Se eu quero formar um piloto profissional de fórmula, uma nova geração de pilotos, uma nova categoria que vai prevalecer, a primeira coisa que eu tenho de fazer é ensinar esses caras que existiu um passado que não era o Ayrton Senna.

Sim, o Ayrton Senna tem seu espaço, mas o Ayrton Senna é apenas um cara, uma estrela na constelação de estrelas da Via Láctea. Porque nós temos uma Via Láctea. Nós temos o nosso Mario Andretti, que se chama Chico Lameirão. Nós temos o nosso Al Unser, lá andando comigo hoje, o nosso Artur Bragantini. E o povo não conhece, as crianças nem imaginam o que eles foram, que eles existem. Ninguém sabe que o Artur teve 12 títulos nacionais de fórmula. Ninguém sabe que o Chico Lameirão passava o Piquet por fora na porra da Ferradura, ninguém sabe! Então nós vamos contar essa história. Tomando isso como motivador e imutável, decidimos por fazer o melhor projeto de chassi tubular possível de ser feito no Brasil hoje. Como?

Por iniciativa de Marcos Galassi, a experiência de Artur Bragantini está a serviço da geração que a Fórmula Inter pretende formar no automobilismo brasileiro (Foto Rodrigo Ruiz/RRMedia)

Usando a experiência de um fabricante chamado José Minelli, que até então fabricava partes, peças até para outras categorias, como Stock Car, já tinha feito alguns carros no passado, mas já tinha desistido de fazer carro – estava trabalhando num protótipo na hora que eu cheguei. Ele me mostrou que seria possível produzir esse carro. Uma outra pessoa me levou até a FEI e eu conheci lá os estudantes da engenharia mecânica, que tem tudo a ver em produzir carro e servir a indústria automobilística. Só que não existe mais esse mercado.

A indústria automobilística nacional como geradora de ideias virou uma importadora em CKD e montagem e acabou o negócio.

E aí eu trouxe os meninos, que trouxeram a tecnologia da academia, as ideias novas da academia, a história da fibra de carbono ser mais leve, da resistência ser maior para a gente pode agregar e misturar coisas. E aí durante três anos a gente foi misturando coisas na “cozinha” até surgir um carro cujo chassi é de aço tubular, que foi feito crash test nos bancos de simulação da própria FEI, que nós fizemos 16 escaneamentos para aumentar a resistência do chassi, resistência torcional dele, que nós percebemos que o habitáculo precisa ser mais seguro, fizemos uma espécie de capa em fibra de carbono que é leve, é resistência e pode minimizar o impacto em caso de uma pancada. Não é um chassi de fibra de carbono, como eu queria, mas é uma célula de sobrevivência, revestida com fibra de carbono. Colocamos um reforço lateral em V, para o caso de batida em T, a energia cinética faz com que o carro vire – pelo menos foi essa a ideia que a gente simulou – e adaptou no carro. A parte mais divertida foi o desenho do carro.

DM – Mas antes de você falar do desenho do carro, queria saber uma coisa: foi fácil misturar a teoria dos estudantes com a experiência dos mais antigos?


NA TERCEIRA PARTE DA ENTREVISTA, O EMPRESÁRIO MARCOS GALASSI RESPONDERÁ A ESSA E OUTRAS QUESTÕES. SERÁ PUBLICADA AMANHÃ, QUARTA-FEIRA, 9 DE JULHO.

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