quinta-feira, abril 18, 2024

Marcos Galassi: “Eu morri por sete minutos, pedi para eles não me levarem, fui atendido e me botaram de volta” – Parte 4/5

Share

Depois daquele 2 de abril de 2016, Marcos Galassi comemora dois aniversários em abril: no dia 30, o Nascimento ocorrido em 1959; o Renascimento, visto acreditar piamente que recebeu uma segunda chance para continuar vivo, no dia 2

Por Américo Teixeira Junior

Dois aniversários em abril: Renascimento no dia 2 e Nascimento no dia 30; nesse ano, houve corridas nas duas datas. “Estou me divertindo” (Foto Rodrigo Ruiz/RRMedia)

Diário Motorsport – Vamos voltar ao carro…

Marcos Galassi – Nós brasileiros não temos história. A história do fórmula morreu para nós em 1970 e pouco. Teve a Fórmula Ford, mas depois acabou. Veio a Fórmula Fiat, Fórmula Chevrolet, Fórmula Renault. Essas incursões das montadoras sempre acabam em lugar nenhum. É um ciclo que morre nele próprio e a indústria [brasileira do motorsport] não aprendeu a crescer porque a montadora artificialmente foi alimentando a vítima de oxigênio. E ela morreu em função das montadoras.

Veja a Fórmula Chevrolet, eu estava lá, eu ajudei o Álvaro [Fiocco, promotor da categoria] a lançar, por causa de comunicação na época. O que eu vi foi um carro bacana, bem feito para a época, uma competição legal, uma lógica boa e uma boa vontade inicial da Chevrolet, que depois de três anos se desinteressou por aquilo lá e foda-se o que acontece na sequência.

Eu falei: “A gente não pode depender desses caras [montadoras], tem de ser uma coisa que o mercado de locação pague a conta. Então, tem de ser barato”. Estudamos um modelo para o carro ser bonito e para isso misturamos diversos conceitos. O carro é meio estranho para alguns porque a gente misturou alguns designs propositalmente. Ele poderia ter outra cara, algo que remetesse ao mais moderno. Mas não interessava isso.
O que a gente queria era que você olhasse para o carro e identificasse um pouquinho da Fórmula 1 da década de 80, um pouquinho do Indy da década de 90. E que você possa ver, dependendo da sua geração e da sua idade, diversos carros diferentes no mesmo carro.
Ele foi construído com esse viés. E foi feito um estudo aerodinâmico por um dos meninos da FEI, que inclusive ganhou um prêmio de freio para a Lotus e trabalha comigo, que levou mais de 900 horas de simulação em software da Dassault, o mesmo utilizado para fazer avião. Um detalhe importante no desenvolvimento do carro: o que psicologicamente o carro faz com que você sinta quando entra no cockpit. Isso é importante porque faz parte do produto que você está comprando.

Quando a gente criou esse carro, a gente falava muito entre nós o seguinte: “Eu quero que as pessoas olhem para esse carro e tenham respeito”. Não ser apenas bonito, mas também bem-acabado, não pode um carro torto, a carenagem é de fibra de vidro, mas não pode ser uma carenagem toda torta.

DM – Mas tudo isso foi feito na fábrica, sem contratar terceiros?

Marcos Galassi – É aí que entra um vício da indústria, né? “Ó, fibra de vidro só quem faz é fulano, a asa de não sei o que só quem faz é sicrano. Se você quiser, é só aquele cara!”. A minha posição foi sempre: “Não”. Não vou contratar ninguém da indústria, ninguém. Me fodi, mas fiz tudo do jeito que tinha de ser feito. Só que eu fiz diferente. A nossa carenagem, para produzir, nós construímos um modelo padrão e em tamanho original num material chamado cibatool, um material da Ciba-Geigy, utilizado para fazer car show para o Salão do Automóvel. Ele foi feito em CNC, ou seja, todinho por computador, que virou um modelo perfeito da carenagem.

Eu tenho um molde perfeito que me permite fazer uma carenagem perfeita. Você olha a minha carenagem e não vê ondulações, as emendas são perfeitas porque os moldes são bem feitos. Esse é um detalhe de acabamento importante, que nem a indústria automobilística no melhor nível ia fazer.

Ninguém fez um modelo padrão para fazer uma carenagem no Brasil, nunca, ponto! Na Europa e Estados Unidos eu não sei, mas no Brasil, nunca. Então a gente fez. Uma vez feito isso, foi o grande dinheiro. O grande investimento foi o carro Zero, os outros carros são baratos perto do carro Zero. Mas o carro zero teve nuances de perfeccionismo, com o que era possível fazer com a tecnologia disponível para nós, como nunca foi feito e nenhum carro brasileiro, inclusive nos Copersucar.

DM – Essa busca pela perfeição atendeu somente ao seu desejo pessoal ou já foi pensando em algo maior para a categoria?

Marcos Galassi – Não haveria uma categoria se não houvesse um produto. Eu precisava ter um produto e o conjunto desse produto começa com uma coisa chamada carro. O carro não é um produto, mas um componente do produto. Esse componente do produto, dado que ele é a base do prédio que a gente vai levantar, tem de ser perfeito ou o mais próximo disso possível. Veja, se o carro for feio, eu não quero tirar fotografia do lado dele, se o carro for lento “ah, o carro é muito lento…”, se o carro por rápido, “porra, o carro é muito rápido…”, se a manutenção foi complicada, “putz, aquilo quebra o tempo inteiro, não anda …”.

Ou seja, tem de ser uma coisa concebida para funcionar. Então, a gente fez um design, que do nosso ponto de vista, teve um estudo pensando o seguinte: O que o Brasileiro quer? Ele quer andar de Fórmula 1.

DM – Muito legal, mas no meio disso tudo você teve sérios problemas de saúde. Como foi isso?

Marcos Galassi – Depois dessa epopeia, no dia 2 de abril do ano passado eu tive um ataque cardíaco fulminante. A gente já tinha produzido o primeiro carro, já sabia as mudanças e nesse ataque cardíaco fulminante, que foi de fato fulminante, ocorreu o episódio em que eu fiquei sete minutos do outro lado, outra dimensão.

Eu morri por sete minutos. Quando eu voltei, eu era o cara mais alegre do mundo porque eu pedi para não ser levado, deu tempo para eu pedir para eles não me levarem. Eles me atenderam e me botaram de volta.

DM – Peraí, morreu por sete minutos?

Marcos Galassi – Eu estava em casa arrumando as minhas coisas, era sábado de manhã, e senti um negócio que parecia gases. De repente, páááá! O páááá era um trator que estacionou no meu peito e nas minhas costas. Meus braços doíam que era uma coisa insuportável e daí, por uma hora e meia, eu devo ter tido diversas paradas cardíacas. Depois eu fiquei sabendo o que era, eu tive uma obstrução no que eles chamam de artéria posterior descendente. A obstrução foi total. Significa o seguinte: não havia circulação no meu coração por causa da obstrução e de vez em quando a circulação voltava e me mantinha acordado. O interessante de você ter um negócio desses é que seu sistema físico inteiro é destruído, mas o cérebro ainda está funcionando. Você perde toda a noção de coordenação de qualquer um de seus membros, perde totalmente a sua noção de labirinto, não sabe se está de pé, sentado ou deitado. A sua visão vira borrões coloridos, ou seja, é o Titanic afundando.

No meio desse caos veio uma mensagem na minha cabeça: “Marcos, hoje é o dia que você vai morrer”.

Aí eu falei: “Não, não mereço morrer, sei todas as cagadas que eu fiz, me arrependo, mas sei o que eu preciso fazer, me deem uma chance”. Aí eu rezei para os meus anjos da guarda, que eu sei que sempre tive. E aí eu fui desfalecendo. Cada hora eu acordava num lugar da casa e vomitava. Eu não conseguia gritar por causa da dor, tamanha era a dor, e eu vomitava no lugar de gritar.

DM – Você esta só em casa?

Marcos Galassi – Sim. Até que uma hora eu desperto no sofá da sala e sinto uma mão no meu peito. Eu não conseguia enxergar, mas a dor que era de 150% – e era assim, eu morreria lá mesmo – foi para 30%. O máximo que eu consegui foi olhar do lado e ver meu telefone. E bati na última pessoa que eu tinha falado, que era a minha sócia [Margareth Monaco, diretora do portal http://www.bymonaco.com.br/]: “Preciso de resgate, estou tento um ataque cardíaco”. Desliguei e consegui sair do sofá, destranquei a porta e caí no chão. Chegaram não sei quanto tempo depois e me levaram para o hospital. Do hospital eu me lembro de três cenas. A primeira cena, alguém colocando muito remédio na minha boca. A outra cena eu estou em algum lugar e só escuto e médico falar: “Cala boca filho da puta, senão vou te entubar”. Apaguei de novo e quando acordo eu olho para uma pessoa, que era uma enfermeira. Cara, os olhos da enfermeira eram angelicais!

Aí eu apago novamente e quando acordei, sei lá quanTo tempo depois, estava na UTI. Quando eu tomei consciência de onde eu estava, comecei a rir: “Caralho, os caras deixaram eu ficar!”. Na UTI, eu estava falando com um enfermeiro e apaguei de novo. Fiquei mais um minuto e pouco morto, mas os médicos conseguiram TRazer volta. A partir daí eu acordei e fiquei. Eu entendi o seguinte: você não vai morrer agora, você tem de fazer alguma merda antes”.

Há um comitê de ética na categoria e é um dos temas recorrentes nos briefings (Foto Rodrigo Ruiz/RRMedia)

DM – E o que você fez quando se recuperou?

Marcos Galassi – Peguei todas as empresas que eu tinha e disse: “Não quero mais”. Na semana passada acabei de me livrar da última. Tudo o que eu vou fazer agora é por uma razão. E eu vou fazer essa merda e vou usar a Fórmula Inter por essa razão. Isso é o que eu faço.

DM – Qual é essa razão?

Marcos Galassi – A razão é … cara, você precisa ir numa corrida, precisa ir na fábrica. O que é preciso entender é o seguinte. O que a gente está conseguindo fazer é algo que eu imagino que nunca tenha sido feito no automobilismo, porque não é algo sobre esporte ou sobre carros, mas sim sobre pessoas.

A razão prática é que há uma demanda para esse tipo de produto, contanto que seja bem feito. Não pode ser o velho jeito de fazer automobilismo, entendeu? Não dá para ir a Interlagos sem saber quanto vai gastar. Tem de ser bem recebido, sua mulher não pode ficar no sol, ser maltratada. Então, a gente fez uma coisinha para isso.

Já o lado pessoal é assim. Quando a gente estava fazendo o carro zero, o meu lado racional dizia: “Marcos, para com essa merda, você está jogando dinheiro fora. Para”. Mas toda vez que eu visitava a fábrica, eu olhava para aquilo tudo e falava: “Essa porra tem valor”. É assim, valor do trabalho, da dignidade, uma porrada de valores que você precisa ter os olhos certos para olhar. Você não consegue enxergar isso se entrar lá e falar: “Ah, a fábrica do Minelli é pequenininha”.

Agora, veja ele trabalhando, as mãos dele pegando nas ferramentas, ouvir ele falando de como vai resolver algum problema. Aquilo é um prêmio para ele, para mim, entendeu? Essa é a razão de eu manter tudo isso de pé e o “nunca desista” tem valor ainda.

Já fabricadas 22 unidades, os carros são montados a partir de novas vendas (Foto Rodrigo Ruiz/RRMedia)

AMANHÃ, SEXTA-FEIRA, 11, A QUINTA E ÚLTIMA PARTE DE “ENTREVISTAS ESPECIAIS”, COM MARCOS GALASSI

Read more

Local News