Numerais, cores, faixas e logos famosas: o automobilismo é mesmo uma grande vitrine para marcas, pilotos e carros também!
Por Luiz Carlos Storck Junior*
O que torna um carro de corrida inesquecível? Talvez muitos responderiam que é o número de vitórias que ele obteve e essa resposta estaria correta. Ponto. Porém, a vitória não é um fator que se concretiza apenas pelas qualidades do carro, e sim, na maioria das vezes, pelo conjunto carro-piloto numa simbiose que muitos chamam de “vestir o carro”. Mas vamos voltar à pergunta inicial e pensar um pouco isoladamente no carro, no que inicialmente o define como um veículo de competição.
Se estivéssemos em um grande depósito cheio de carros de colecionador, o que será que nos faria olhar para um exemplar e dizer “olha só, um carro de corrida!”. Certamente seriam as suas características visuais, a suspensão preparada, rodas e pneus especiais, interior aliviado, a carroceria modificada ou construída para competição, e principalmente sua pintura chamativa: um layout bem elaborado que valoriza o desenho da carroceria, juntando marcas de patrocinadores e numerais num arranjo que mexe com o imaginário, tornando o carro rápido por suposição, sem que sequer soubéssemos o que tem debaixo do capô ou quanto tempo ele “vira” em determinada pista.
E como é que isso tudo começou? Bem, a história do automobilismo conta que no princípio, lá pelos anos 1900, a estética das pistas se resumia a cores: uma carroceria pintada na cor da equipe e, mais tarde, na cor do país que o piloto representava. Logo ficou difícil para o público diferenciar os carros durante as provas e então os numerais surgiram com esse propósito, aparecendo pela primeira vez nas laterais de alguns carros.



Mais tarde ficou evidente que os numerais tinham também uma contribuição forte na construção da imagem de um carro de corrida, especialmente em categorias com carrocerias similares, como é o caso da NASCAR, que até hoje utiliza números gigantes nas duas portas e no teto dos carros. Nesse contexto, não se pode deixar de lembrar do lendário #3 de Dale Earnhardt que foi 7 vezes campeão da NASCAR e vencedor das 500 milhas de Daytona em 1998. O piloto, que era conhecido como “The Intimidator” (O intimidador) pelo seu estilo agressivo de pilotagem, eternizou o GM Monte Carlo preto com o numeral 3 em itálico inverso, sendo até hoje um dos carros mais icônicos da história da categoria.

O passar dos anos trouxe uma evolução estética, as cores ficaram mais vibrantes e o visual começou a criar uma identidade mais forte nos carros. A Tag Heuer em seu artigo “How motorsport found it’s true color?” relembra que nesse período a Porsche adotou carrocerias sem pintura no alumínio, o que acabou originando a famosa alcunha “SilverBullet”. As “faixas de corrida” começam a ser utilizadas nessa mesma era. Ian Callum, chefe de design da Jaguar, dizia que as faixas eram capazes de transformar as linhas do carro, dando a ele a singularidade que faltava.
Do cinema, um grande exemplo remonta bem a estética nessa era. O carismático Fusca Herbie carregava faixas longitudinais na carroceria junto do numeral 53 dentro de um elemento circular muito característico da época. Herbie também é um bom exemplo de um outro fenômeno relacionado à identidade que podemos tratar como complementar à estética dos carros de corrida: a personificação e a atribuição de um apelido, o que aconteceu também com o Porsche Spyder do astro rebelde James Dean, o lendário “The Beast of Turin”, e muitos outros.
A essa altura, o automobilismo já respirava design, e aos poucos alguns patrocinadores começaram a ganhar espaço nas corridas e em alguns carros. Mas, o jogo estava para virar de vez no final da década de 60, mais precisamente em 1968, ano em que a FIA mudou o regulamento da Fórmula 1 e extinguiu todas restrições de patrocínio nos carros, permitindo que, em outras palavras, os carros vestissem as marcas de seus patrocinadores, dando liberdade criativa para que layouts famosos surgissem nos anos seguintes.
É curioso pensar como o marketing moldou a estética do automobilismo desse ponto em diante e como algumas marcas acabaram batizando modelos importantes. Por exemplo, é muito comum as pessoas falarem “Lotus John Player Special” ou “Porsche da Gulf” e isso é certamente um resultado satisfatório para as marcas, uma prova de que a ação foi bem consolidada. A “Martini Racing” é certamente um outro grande exemplo de ação de patrocínio bem sucedida. A marca de bebidas destiladas iniciou seu programa de patrocínios em 1958 e desde então estampou carros memoráveis com suas faixas azuis e vermelhas em categorias de turismo, na Fórmula 1 e no Rally, com destaque para o belíssimo Lancia Delta Integrale, que teve mais de 40 vitórias no mundial de rali pela equipe que também era conhecida como Lancia-Martini.



No Brasil tivemos um caso parecido nos anos 70 com a Gledson. A marca era considerada a primeira fabricante de roupas jovens do país, e sua estratégia de marketing era estar presente em todos os tipos de esportes radicais. Por isso ela abraçou com força o automobilismo, tendo patrocinado equipes da Divisão 3, Stock Car, Kart (com Ayrton Senna), Arrancada e os monopostos da Fórmula 3 e Super V, onde ganhou muito destaque com Nelson Piquet conquistando o campeonato de 1976. O carro tinha um visual marcante com a cor amarela e faixas em degradê de vermelho com a logo da Gledson nas laterais.
Mas o fato é que marcas geralmente entendem muito de branding – ou pelo menos espera-se que entendam – e o ponto aonde eu quero chegar aqui é que para além dessa influência na estética, esses patrocinadores contribuíram de muitas outras maneiras para tornar alguns carros de corrida inesquecíveis. Alerta de spoiler: foi através do branding e nós já vamos falar sobre isso, mas antes temos que entender a lógica que tornou isso possível.

Vamos usar aqui um exemplo de outra coisa inesquecível que não tem relação com o assunto: Os Beatles, possivelmente a banda mais famosa do mundo e consequentemente uma grande marca. Eles foram pioneiros em várias coisas, uma delas foi a gravação de videoclipes. E a razão pela qual fizeram isso é o que importa: Eles precisavam se fazer presentes em vários lugares, mas com a fama absurda isso era cada vez mais complicado. Então, eles começaram a enviar seus clipes para exibição na TV, o que mantinha a imagem/marca em alta independente de discos e shows.
E esse é justamente o ponto: sair do usual para se manter presente, ter uma imagem ativa para criar laços.
Aliás, “branding” por definição é o processo de construção e gestão de uma marca, que constitui ativos tangíveis e intangíveis que vão desde logotipos e materiais gráficos até experiências sensoriais, valores e o próprio nome da marca. Tudo isso para onstruir uma identidade forte com elementos para muito além da estética.
Dito isso, um carro de corrida inesquecível precisa ser um carro de corrida também fora das pistas, no maior número de lugares possíveis e da forma mais criativa. E é essa a grande contribuição do marketing para a reputação de um carro, o branding. Foi isso que levou os carros para além das pistas e os colocou em roupas, brinquedos, pôsteres, jogos, e uma infinidade de produtos e ações envolventes, trazendo resultados para patrocinadores e equipes e permitindo que eles percorressem o mundo, às vezes sem que sequer disputassem um mundial. A força dessas ações se mostram até mesmo em situações em que as transformações do mercado falam mais alto. É o caso da Marlboro que, após a proibição de patrocinadores fabricantes de tabaco pela FIA em 2007, deixou a Fórmula 1 que patrocinava desde a década de 70. No entanto, os anos de presença da marca em escuderias como a McLaren e a Ferrari foram extremamente efetivos, de modo que a marca é lembrada nesse contexto automobilístico até hoje, principalmente pelo forte apelo visual de sua logo estampada nos carros de corrida.
Pois bem, um bom carro de corrida precisa obviamente ser rápido, mas também precisa ser marcante para além das pistas. Tem que ter apelo visual e aparecer em todos os formatos que fizerem sentido. Importante lembrar que mais do que nunca estamos imersos em tecnologia, cercados de possibilidades com muitas ferramentas capazes de nos ajudar nessa tarefa e a melhor parte é que a chave para isso ainda é a mesma e nela tem um chaveiro escrito “Branding”.

*Luiz Carlos Storck Jr., natural de Porto União (SC), analista de design na FuelTech e professor na UNIUV. Apaixonado por automobilismo e entusiasta automotivo, é profissional de Marketing e Design, acumulando 15 anos de carreira, sendo 9 destes também como professor universitário.
Foto estaque: Mesmo no início das restrições de patrocínio da indústria tabagista nos anos 70, cujo banimento total ocorreria em 2007, a marca Marlboro estava evidente na inconfundíveis cores vermelha e branca. Na Foto, Emerson Fittiupaldi e o Maclaren M23 em 1974 (Foto Fornecida por Ford Motor Company – FMC)
Muito interessante. Excelente artigo!