quinta-feira, abril 25, 2024

Edgard Mello Filho e o “ser repórter” desde Watkins Glen, numa tarde fria de Fórmula 1

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Edgard Mello Filho desenvolveu importante carreira como piloto, mas é como narrador, comentarista e repórter que se tornou um ídolo pela ousadia e criatividade diante de um microfone

Por Américo Teixeira Junior

Integrado ao forte time do canal Fox Sports, Edgard Mello Filho se manifesta sobretudo com o coração (Reprodução TV)

Ele nem sabe disso, mas muito do jornalista que tento ser tem também a inspiração de Edgard Mello Filho. Não exatamente na forma, mas no que chamo de “ser repórter”, um constante estado de inquietação para principalmente descobrir o que está coberto.

Eu tinha de 13 para 14 anos naquele período 1974/1975, exatamente o de Emerson Fittipaldi na McLaren, então sob o comando do organizado Teddy Meyer. Aquele M23 era um carro com apuro técnico e requintes de construção, tudo nascido da habilidosa caneta de nanquim (sim, garotada, esse negócio de fazer projetos no computador não existia naquela época) e a apurada supervisão do projetista Gordon Coppuck. Esse conjunto técnico nas mãos de um campeão do mundo no auge de sua carreira e o aporte financeiro da Philip Morris, por intermédio da marca Marlboro, fizeram daquela equipe uma verdadeira morada da excelência.

Tudo isso, porém, acontecia como se fosse em outro planeta, tamanha era a precariedade e a demora para que a informação chegasse até nós, fãs da Fórmula 1 no Brasil. Nem todas as corridas eram transmitidas pela televisão. Para que a geração internet tenha ideia, entre um corrida sem televisão até a chegada de revistas como AutoEsporte e Quatro Rodas nas bancas, passavam-se quase três meses para que a gente pudesse ver os carros em fotos coloridas, uma tradução quase perfeita de uma história cujos protagonistas povoavam a memória de quem até então só ouvira a narração da corrida pelo rádio.

O rádio! O que seria de nós, amantes da Fórmula 1, naquele início de anos 70, sem as heroicas transmissões dos Grandes Prêmios de Fórmula 1!

Menino, eu não fazia a mínima ideia do que acontecia no Brasil naquela época. Para mim, a felicidade estava em tentar saber tudo sobre a Fórmula 1 e Emerson Fittipaldi, o grande ídolo da época. Vivenciar aquele mundo encantado significava grudar o ouvido no rádio para ouvir as narrações de Wilson “Barão” Fittipaldi, os comentários de Domingos Piedade e as reportagens …

É aqui que entra Edgard Mello Filho.

Eu já havia decidido que seria jornalista especializado em automobilismo. Queria estar no meio daquilo tudo, escrevendo. Falar no rádio ou aparecer na televisão nunca foram meus propósitos. Não sei se não me sentia capaz de encarar o desafio ou se já tinha sido consumido pelo objetivo de escrever sobre carros, pilotos e corridas. Fato é que, paralelamente à avassaladora paixão pela Fórmula 1, também havia de minha parte uma espécie de endeusamento daqueles jornalistas que traziam as notícias.

Pois bem. Edgard de Melo Filho. O “ser repórter” que me habita desde sempre tem sido alimentado ao longo dos tempos por exemplos por demais motivadores. E Edgard foi protagonista de um deles, um dos mais fortes, cristalizado numa tarde de Grande Prêmio dos Estados Unidos, em Watkins Glen, essa mesma pista onde a IndyCar realizará a penúltima rodada do 2017 Verizon IndyCar Series nesse fim de semana.

Naquela corrida de 1975, Emerson vinha em 3º e fazendo de tudo para ultrapassar Clay Regazzoni, o piloto suíço que, teammate do já campeão e líder Niki Lauda, impedia de forma perigosa e desleal a ultrapassagem do brasileiro. Bastava apontar o McLaren M23 #1 que Regazzoni, sem a menor cerimônia, jogava o Ferrari 312T #11 para cima. Nos boxes, conduzindo tudo isso, um italianinho novo e magrinho, o chefe de equipe Luca di Montezemolo.

Já o Edgard, tentando arranjar uma maneira de ver aquilo tudo de forma ampla e plural, simplesmente subiu numa torre metálica lá pelo meio do circuito e lá ficou agarrado, vendo partes da pistas que estavam fora do raio de visão do narrador. Estava um frio danado naquele 5 de outubro, o vento no alto daquela torre praticamente impedia que se ouvisse a voz daquele intruso que, agarrado a ela, gritava.

Imaginem a cena: aos berros, para que sua voz não fosse suplantada pelo vento, tremendo de frio naquela tarde úmida de alguma chuva e explicando com o entusiasmo by Edgard aquela disputa que acabou com a bandeira preta para Regazzoni, por atitude antidesportiva. Era um tal de freia daqui, escorrega dali, sai de frente não sei onde, esparrama a traseira e eu: “Caralho, olha o que esse cara está fazendo!”.

Aquilo para mim, naquele momento da minha juventude, era a manifestação mais pura e rica do “ser repórter”. O cara estava na pista, sofrendo pra caramba, improvisando num campo gelado no interior dos Estados Unidos e ainda encontrando forças para trazer para mim um informação que, de outro modo, nunca chegaria.

O “Ser Repórter” que me habita é alimentado todos os dias e é o que tenho tentado ser em todos esses anos, muitas vezes motivado por grandes exemplos. E toda semana, quando vejo o Edgard nas transmissões do Fox Sports, na bancado do Fox Nitro ou pessoalmente, eu olho para aquele cidadão com reverência.

Continua a inundar o ambiente com seu entusiasmo e conhecimento, continua sendo referência e o que é mais lindo no Edgard, ele é amado pelo fã do automobilismo. Movido pela paixão, construiu uma trajetória de vida com suor, lágrimas, coração e alma. É, hoje, uma Instituição. E nem precisa mais trepar em árvores e torres para mostrar o que acontece nas pistas, pois essa aula ele já deu.

 

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